Pesquisa inédita mostra que concluir a EJA aumenta a formalização no trabalho e melhora a renda dos jovens
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Levantamento do Itaú Educação e Trabalho e da Fundação Roberto Marinho também investigou evasão no ensino regular, retomada dos estudos e permanência na EJA
A Fundação Roberto Marinho e o Itaú Educação e Trabalho lançaram, nesta quinta-feira (4), em São Paulo, a pesquisa inédita “Educação de Jovens e Adultos: Acesso, Conclusão e Impactos sobre Empregabilidade e Renda”. O estudo traz um diagnóstico abrangente da modalidade e evidencia que concluir a Educação de Jovens e Adultos (EJA) melhora as condições de inserção no mundo do trabalho, com ganhos na formalização e na renda.
Os resultados indicam que, entre jovens de 19 a 29 anos, concluir a EJA aumenta em 7 pontos percentuais (p.p) as chances de conseguir um emprego formal e eleva, em média, 4,5% a renda mensal do trabalho. O impacto é ainda maior para quem tem entre 19 e 24 anos: nesse grupo, a probabilidade de formalização aumenta para 9,6 pontos percentuais, enquanto a renda mensal aumenta em 7,5%.


A análise foi feita a partir de microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), em um painel que cobre o período de 2014 a 2022. Dessa forma, foi possível acompanhar os mesmos indivíduos durante cinco visitas consecutivas, em um intervalo de três meses entre cada uma, reunindo informações sobre escolaridade, ocupação e rendimento.
Os pesquisadores ressaltam que os efeitos foram observados em um período relativamente curto: apenas um ano. Isso reforça o impacto imediato do diploma de ensino édio, obtido pela EJA, na formalização do trabalho e no aumento da renda. Experiências internacionais indicam ainda que, em prazos mais longos, cerca de cinco anos após a certificação, esses ganhos tendem a se consolidar e se expandir, inclusive entre adultos.
Para quem vive em situação de vulnerabilidade, esses avanços podem significar deixar a informalidade, acessar benefícios trabalhistas e construir uma trajetória profissional mais estável. No Brasil, onde quase 60% dos jovens de 19 a 29 anos que não concluíram o ensino médio e não estudam estão na informalidade, conseguir um emprego formal representa proteção social, direitos garantidos e oportunidades concretas de mobilidade. Nessa perspectiva, vale ressaltar a importância da modalidade de EJA-EPT, que alinha a EJA com a Educação Profissional e Tecnológica (EPT), qualificando para o mundo do trabalho.
Para Rosalina Soares, superintendente de Conhecimento da Fundação Roberto Marinho, o estudo reforça que as funções reparadora, equalizadora e qualificadora da EJA seguem válidas e urgentes. “Concluir a EJA gera resultados imediatos e concretos na vida das pessoas: abre portas para empregos formais, amplia a renda e fortalece perspectivas de futuro. Mas, diante da magnitude do desafio educacional brasileiro, apenas políticas públicas consistentes e contínuas poderão garantir que a modalidade cumpra plenamente seu papel transformador”, afirma.
Matrículas, permanência na EJA e EJA-EPT
O Brasil tem 66,6 milhões de pessoas com 15 anos ou mais fora da escola sem concluir a educação básica. De acordo com o Censo Demográfico de 2022, 11,4 milhões são analfabetas. Embora a demanda seja grande, a oferta da EJA vem encolhendo desde 2007. No ano passado, o país teve apenas 2,4 milhões de matrículas, número em queda desde 2007, e mais de mil municípios sem oferta de turmas. Para se ter uma ideia da redução, em 2008 eram 4,9 milhões de matrículas na modalidade.
Uma das estratégias para ampliar as oportunidades é integrar a EJA à Educação Profissional e Tecnológica (EJA-EPT), prevista na Meta 10 do Plano Nacional de Educação, que estipula que 25% das matrículas sejam nessa modalidade. Mas, em 2024, o índice alcançou apenas 5,9%. Embora o número de municípios que oferecem essa integração tenha mais que dobrado nos últimos cinco anos — de 6,3% em 2019 para 13% em 2024 —, a oferta segue muito baixa no país. Ao compararmos essa trajetória de crescimento com a EPT articulada ao ensino médio regular (17,2%), observamos que os resultados estão bem distantes da estratégia nacional de crescimento.

Inserida neste cenário, a pesquisa também investigou os determinantes da matrícula, evasão e conclusão na educação de jovens e adultos, com base em dados da PNAD Contínua (2019-2022). Para isso, foram observados três perfis: jovens de 15 a 20 anos matriculados no ensino regular; jovens de 21 a 29 anos que se encontravam fora da escola sem ter concluído a educação básica; e o terceiro grupo, formado por pessoas com 21 anos ou mais matriculados na EJA.
Segundo Alysson Portella, um dos pesquisadores responsáveis pelo estudo, a abrangência da PNAD Contínua permite analisar a EJA sob diferentes perspectivas. “Como economistas, olhamos para os efeitos positivos sobre o mercado de trabalho, mas também investigamos os fatores que influenciam a matrícula e a conclusão da EJA. O público é bastante diverso, e esses dois indicadores estão fortemente associados a aspectos socioeconômicos e à idade. Esses achados são fundamentais para pensar em estratégias mais adequadas para atender perfis distintos de estudantes”, afirma o pesquisador.
Entre jovens de 15 a 20 anos, a chance de evadir do ensino regular é maior do que a de migrar para a EJA. Os dados mostram que, à medida que a idade aumenta, cresce também o risco de evasão, especialmente entre aqueles com histórico de atraso escolar. Jovens de 18 a 20 anos com ensino fundamental incompleto, têm 27% de probabilidade de evadir e 12,7% de migrar para a EJA. Já entre aqueles com o ensino médio incompleto, os índices caem para 6,4% e 1,5%, respectivamente. Outros fatores que aumentam a evasão ou migração para EJA, é ser homem, ser negro, residir em área rural, menor renda domiciliar per capita e estar trabalhando.
O segundo grupo analisado foi composto por pessoas entre 21 e 29 anos que estavam fora da escola sem concluir o ensino básico. Os resultados revelaram que jovens mulheres e desempregados, têm maior probabilidade de estarem matriculadas. No entanto, ser o responsável pelo domicílio, residir em área rural e estar trabalhando reduz as chances de matrícula na EJA.
O terceiro grupo analisado foi composto por jovens de 21 a 29 anos e adultos com mais de 30 anos matriculados na EJA. Os resultados revelam que, embora ser mulher esteja associado a uma menor probabilidade de evasão, ter filhos pode aumentar esse risco, especialmente para as mulheres. Além disso, estar empregado com jornada de trabalho superior a 20 horas semanais, ser mais velho, viver em área rural ou ser responsável pelo domicílio são fatores que também aumentam a chance de evasão.
A análise dos perfis revela que, entre os jovens de 15 a 20 anos, a evasão do ensino regular é mais comum do que a migração para a EJA, sendo que o risco de abandonar a escola aumenta com a idade e o atraso escolar (18 a 20 anos), ser homem, negro, residir em área rural, ter baixa renda e estar trabalhando aumentam a chance de evadir ou migrar para EJA. Para o público de 21 a 29 anos que não completou a educação básica e estava fora da escola, a chance de matrícula na EJA é maior para mulheres e desempregados. No entanto, ser responsável pelo domicílio, morar em áreas rurais e estar trabalhando reduzem essa probabilidade. Por fim, para os matriculados na EJA (21 a 29 anos e adultos acima de 30 anos), a pesquisa mostra que, embora as mulheres tenham menor chance de evadir, mulheres com filhos aumentam essa probabilidade. Outros fatores, como ser mais velho, trabalhar em jornada superior a 20 horas semanais, ser responsável pelo domicílio e residir em áreas rurais, aumentam a probabilidade de evasão da EJA.
Para Diogo Jamra, gerente de Monitoramento, Avaliação, Articulação e Advocacy do Itaú Educação e Trabalho, os dados reforçam a urgência de fortalecimento de políticas públicas que integrem a EJA às necessidades desse público, sendo a conexão com a Educação Profissional e Tecnológica um dos caminhos. “A necessidade de trabalhar é, ao mesmo tempo, um fator que contribui para a evasão escolar e uma motivação para o retorno às salas de aula desse grupo. A pesquisa reforça o papel estratégico da EJA como caminho de formação para quem busca reingressar no sistema educacional e, integrada à Educação Profissional e Tecnológica, pode contribuir ainda mais para que os jovens brasileiros concluam os estudos, tenham a possibilidade de agregar conhecimentos que os prepare para a inserção produtiva digna e, assim, tenham mais perspectivas de melhoria de condições de trabalho e, consequentemente, de vida. É essencial a consolidação de políticas públicas e ações intersetoriais que garantam o acesso à EJA com EPT em todo o país — só assim conseguiremos oferecer a milhares de jovens trajetórias de vida com mais dignidade, renda e proteção social”.
Inscrições e aprovação no Encceja
A pesquisa também analisou o perfil dos inscritos no Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) e quais participantes têm maior probabilidade de obter a certificação. Os dados mostram que o número de inscrições vem caindo nos últimos anos, saindo de 1,6 milhão em 2022 para 900 mil em 2024. No entanto, chama atenção que a taxa de abstenção permanece em patamares elevados em todos os anos analisados. Em 2023, por exemplo, 58% dos 1,2 milhão de candidatos não compareceram à prova.
Dados do Encceja 2023 revelam que o exame continua sendo buscado majoritariamente por jovens, especialmente para a certificação do ensino médio. Do total de participantes, 83% se inscreveram para o ensino médio e 17% para o fundamental.
As mulheres são maioria (56%) entre os inscritos e grande parte delas é mãe (76%). Pessoas negras representam 64% dos inscritos, e quase metade declarou não ter renda ou viver com renda familiar de até um salário-mínimo. Apesar disso, 65% dos candidatos exercem algum tipo de atividade.
Considerando apenas os candidatos que compareceram às provas, a taxa de aprovação ficou em 46% em 2023. Ou seja, menos da metade das pessoas que realizam o exame conseguem obter o diploma. Olhando especialmente para os aprovados, a pesquisa indica que quanto menor a faixa etária, maior a taxa de aprovação; e quanto mais velhos, menor a taxa de aprovação.
De acordo com os pesquisadores, candidatos mais velhos, com menor renda, que trabalham, têm filhos e vivem em áreas rurais apresentam menor probabilidade de obter a certificação. Os homens têm maior probabilidade de passar no exame, especialmente por conta do desempenho em matemática. No total, 54% dos aprovados em todas as provas em 2023 eram homens e 46% mulheres — ainda que elas sejam maioria entre os inscritos.
A pesquisa revela que a Educação de Jovens e Adultos tem um impacto direto e positivo na vida, especialmente na inserção no mercado de trabalho. Concluir a EJA aumenta a chance de formalização e eleva a renda, com ganhos ainda mais significativos para os jovens. No entanto, o estudo também mostra que o acesso e a permanência na modalidade são dificultados por diversas barreiras, como a idade, o trabalho, as responsabilidades domésticas e residir em áreas rurais. Esses fatores socioeconômicos e demográficos impactam a matrícula e aumentam a evasão, evidenciando a necessidade de políticas públicas que se adaptem à realidade desse público. Apesar da pesquisa não ter encontrado impacto com significância estatística para o público mais velho, há a necessidade de estudos e avaliações de longo prazo. Essas análises são essenciais para embasar políticas públicas que sejam alinhadas às necessidades do público da EJA, que é essencialmente heterogêneo, permitindo que seus diversos efeitos sejam mensurados ao longo do tempo.